Para quem faz videojogos em Portugal é difícil passar ao nível seguinte

Desenvolver um jogo para computador ou telemóvel não é brincadeira. Num sector que movimenta muitos milhões a nível global, a competição é feroz e as empresas portuguesas têm de se esforçar para sobreviver.

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A Fun Punch começou em 2015 a dedicar-se a tempo inteiro aos videojogos Rui Gaudncio

Os videojogos so uma das indstrias culturais que mais dinheiro movem em todo o mundo, com receitas acima dos grandes filmes de Hollywood. Em Portugal, no entanto, este um sector que nunca conseguiu crescer a srio.

Dizer que o mercado de videojogos em Portugal pequeno bastante simptico. Nunca somos considerados, diz ao PBLICO Ricardo Cesteiro, co-fundador do estdio Camel 101.No vou dizer que trabalhar em videojogos em Portugal impossvel, mas nem sempre fcil.

Aos 38 anos, Cesteiro um veterano nesta rea. H 14 anos deixou um trabalho como consultor informtico na banca para se arriscar a tempo inteiro na paixo dos videojogos. Em 2009, depois de uma tentativa falhada, ajudou a fundar a Camel 101, que hoje uma pequena empresa com trs pessoas a tempo inteiro. Desenvolve tanto jogos casuais (por exemplo, puzzles para encontrar objectos no fundo do oceano), como jogos de mistrio com narrativas mais complexas.

H jogos nossos que chegam a ter 30 mil de unidades vendidas. Outros s cinco mil. Mas a partir de dez mil bom para ns&, diz Cesteiro. Temos uma grande variedade de videojogos casuais, porque no comeo no estvamos a fazer os jogos de que gostvamos. Estvamos a fazer os jogos que tnhamos de fazer:puzzles e coisas para um pblico mais abrangente.

No h muitos dados actualizados sobre o sector. O relatrio mais recente, compilado pela Sociedade Portuguesa para a Cincia dos Videojogos em 2016, notava que o volume de negcios no pas oscilava entre os seis e os 12 milhes de euros.Apenas 20% das empresas disse ento fazer mais de 50 mil euros anuais. Um tero admitiu ter receitas inferiores a dez mil euros. Quase dois teros no tinham mais de trs anos.

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Gemini Wars, um jogo de estratégia no espaço, da Camel 101 Camel 101

Portugal, contudo, at um pas de jogadores. Surge em 39. na lista da analista Newzoo de pases que mais gastam dinheiro em videojogos: s no ltimo ano, 261 milhes de euros saram do bolso dos portugueses para jogos digitais nos telemveis, consolas ou computador. E, com o advento das lojas online, as equipas podem produzir jogos para todo o mundo.

Dois passos atrs

O primeiro projecto da Camel, que nunca chegou a ser concludo, era um first person shooter (um jogo de tiros na primeira pessoa) num universo de fico cientfica. Era um projecto grande demais para uma equipa to pequena e com to pouca experincia. Acabmos por dar dois passos atrs para comear a trabalhar em projectos mais simples, que consegussemos concluir e comercializar, explica Cesteiro.

preciso ter dinheiro para desenvolver prottipos, juntar uma equipa e ir aos grandes eventos no estrangeiro. Temos de nos dar a conhecer. Estar presentes online, mas tambm ir a eventos relevantes para marcar reunies com editores. No se pode ficar escondido, explica.  verdade que agora mais fcil ter ferramentas para disponibilizar directamente jogos online. Isso bom, mas tambm traz mais competio.

Cada jogo da Camel 101 demora entre dois a trs anos a ser criado. Actualmente, o trabalho quase todo feito pelos trs membros da equipa, que colaboram via Internet. Estamos espalhados pelo mundo. Eu estou em Portugal, o meu irmo est nos EUA, em So Francisco, e o nosso artista est na Crocia, diz Cesteiro. Por vezes, contratam freelancers para tarefas especficas.

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Com o novo jogo, o objectivo é navegar uma cidade nos EUA sem nunca ficar às escuras Camel 101

A nova aposta, que deve chegar s lojas online ainda este ano, um videojogo de terror com o ttulo ingls Those Who Remain ("aqueles que ficam"), baseado na ideia de que h algo perigoso, escondido, espera no escuro de uma tpica cidade norte-americana. Tal como o nome da empresa, os ttulos dos jogos so todos em ingls. uma tendncia comum a outras empresas em Portugal.

Mundo em ingls

 difcil identificar a produo que feita em Portugal porque os jogos so todos criados para plataformas diferentes, e muitas empresas surgem com um nome ingls e todos os ttulos em ingls, diz ao PBLICO Nelson Zagalo, acadmico e presidente da Sociedade Portuguesa para a Cincia dos Videojogos.

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Strikers Edge, da Fun Punch

Fun Punch Games, Nerd Monkeys, Rain Dance Lx e WindLimit so exemplos de outras equipas portuguesas. Por c, a cultura dos videojogos segue muito o modelo cultural que vendido por Hollywood. Do ponto de vista econmico, compreendo, continua Zagalo. As equipas querem fazer dinheiro e querem vender no mercado norte-americano, que domina as lojas online. E para entrar num pas preciso falar a lngua desse pas. E falar a lngua tambm cultura.

Zagalo nota tambm que, durante a crise financeira, muitos produtores de videojogos desistiram da rea ou foram para fora.

Os que decidem ficar

O grande problema que preciso ter o investimento inicial para comear a trabalhar num jogo. Noutros pases, h investidores e apoios de 50 ou 60 mil euros para empresas independentes de videojogos que queiram desenvolver um prottipo. A avaliao feita por Ricardo Flores, presidente da recm-formada Associao de Produtores de Videojogos, outra organizao com o objectivo de promover o sector em Portugal. Flores trabalha na rea h 15 anos, tendo ajudado a fundar vrias empresas.
O dinheiro tem de sair do bolso da prpria equipa. De resto, os desafios so iguais em todo o mundo.

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Under Siege foi o primeiro projecto de Filipe Pina NFACTOS/Fernando Veludo

Filipe Pina dos que optou por ficar aps um primeiro fracasso. Tinha deixado emprego em animao de televiso para ajudar a fundar a Seed Studios, no Porto. Acabou por encerrar a empresa por problemas de financiamento, em 2012, um ano depois de lanar o primeiro videojogo, Under Siege, para a PlayStation.

Recebi vrias propostas do estrangeiro, mas decidi ficar, ensinar na rea e desenvolver o mercado em Portugal. Afinal, tinha experincia, explica Pina, que tambm d aulas sobre videojogos na Escola de Tecnologias e Inovao (ETIC), em Lisboa. H muitos cursos maus, alerta. Apesar de difcil, o conceito dos videojogos est na moda em Portugal. S que com poucos profissionais na rea, muitas das cadeiras tm docentes que nunca trabalharam em videojogos.

Em 2013 voltou a insistir e criou a Nerd Monkeys. Desta vez, o foco da empresa, sediada em Lisboa, no so os videojogos de autor. Desenvolvemos videojogos para fora, para outras empresas, para escolas..., diz Pina. Ainda no tivemos nenhum mega ttulo que vendesse milhes. Temos o caminho e percurso normal de uma empresa a comear. Claro que h quem tenha sorte e venda logo muito, mas como um escritor: geralmente demora tempo.

O pior detective do mundo

Uma das apostas da Nerd Monkeys uma srie de videojogos para computador chamada Inspector Z e o Rob Palhao, que tem como protagonista o pior detective do mundo. Ao contrrio do que habitual nas produes em Portugal, foca-se na cultura portuguesa. A equipa descreve o Inspector Z como um homem to rude e bruto que as suas testemunhas mais rapidamente preferiam ser atropeladas por um comboio de mercadorias em marcha lenta a serem entrevistadas por ele.

O primeiro episdio da srie, Crime no Hotel Lisboa, foi lanado em 2013 e vendeu quase 200 mil cpias, mas a procura est a abrandar. Com o segundo episdio, as vendas esto a crescer, mas lentamente.

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O mais recente jogo do Inspector Zé decorre a bordo do intercidades Nerd Monkeys

So fraquinhas, mas conhecido, admite Pina.  uma caricatura ao Portugal dos anos 80. H os anncios aos pastis de nata. Os txis so pretos& No um jogo consensual. Ou se adora ou se odeia, porque um humor muito prprio. Nos EUA no acharam piada nenhuma. Na Europa, a Frana e Alemanha gostaram muito, diz o criador. Hoje politicamente incmodo fazer humor com minorias. H linhas tnues entre o que e o que no aceitvel. Mas nos anos 80 era diferente. 

Deixar o emprego

Em Portugal, arriscar num videojogo diferente no uma opo fcil. Muitas vezes, as empresas s conseguem com ajuda de prmios.

Ricardo Flores, o presidente da Associao de Produtores de Videojogos, tambm um dos membros da Fun Punch Games, que criou Strikers Edge, um jogo inspirado no tradicional mata, mas com armas e guerreiros, e navios, bosques mgicos e glaciares como pano de fundo.

Foi a vitria na primeira edio dos prmios PlayStation, em 2015, que permitiu que a equipa se dedicasse a tempo inteiro ao projecto. Quando comemos, ramos puramente amadores. Nenhum de ns trabalhava nos videojogos, mas com o prmio PlayStation despedimo-nos para nos focarmos no Strikers Edge, recorda Tiago Franco, um dos fundadores.

At agora, o jogo vendeu cerca de 40 mil unidades. A equipa diz que no muito, mas foi um bom comeo, o suficiente para pagar os custos e sobrar um pouco.

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A Fun Punch Games ganhou os prémios PlayStation com uma versão digital do jogo "mata" Fun Punch Games

Uma questo cultural?

Para Ricardo Flores e Nelson Zagalo fundamental que o Ministrio da Cultura comece a promover mais o desenvolvimento dos videojogos. Do exemplo de pases como a Finlndia  o pas de origem do jogo viral Angry Birds  onde h incentivos para o sector.

A nvel global, esta uma indstria que vale milhes. Em 2018, cerca de 2300 milhes de jogadores em todo o mundo gastaram perto de 138 mil milhes de dlares (121 mil milhes de euros) em jogos digitais.

Todo o dinheiro que o Estado investe vai para o cinema ou para a televiso, critica Zagalo. Em Portugal o videojogo ainda visto da forma errada. uma rea cultural. difcil vender e produzir. Tem de existir um apoio cultural. Uma empresa faz um jogo, mas, se no funciona, no pode continuar.

Filipe Pina, por seu lado, faz uma ressalva: Era bom termos mais apoio, claro, mas no posso acreditar num projecto que s funcione com apoio do governo. J h apoios da Unio Europeia."

O fundador da Nerd Monkeys argumenta que preciso olhar para o sector com outros olhos: O problema em Portugal que h o estigma do joguinho, que diz que isto no uma rea interessante e s apela a crianas, quando uma indstria que move milhes. preciso mudar isso.

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